Nações se unem para combater o AVC e Brasil se destaca com ações no SUS

Pesquisadora brasileira ressalta iniciativas do país como modelos, mas lembra dos desafios que ainda precisam ser enfrentados
Líderes globais, representantes de governos, organizações internacionais e especialistas em saúde estão se unindo em um movimento inédito para enfrentar uma das maiores ameaças silenciosas à saúde pública mundial: o Acidente Vascular Cerebral (AVC). A mobilização é liderada pela Global Stroke Action Coalition, o primeiro movimento global de advocacy voltado exclusivamente para o AVC, que lança um apelo urgente por ações coordenadas para conter o avanço da doença. A questão será levada à 78ª Assembleia Mundial de Saúde, que acontecerá em maio, em Genebra, e à Assembleia Geral da ONU, em setembro, em Nova York.
Projeções reforçam o alerta: sem intervenções concretas, a carga do AVC deve aumentar 50% nos próximos 25 anos, matando 100 milhões de vidas e gerando um custo estimado em US$ 1,6 trilhão por ano. No Brasil, em 2024, o AVC foi a causa de 84.878 óbitos, de acordo com o Portal da Transparência dos Cartórios de Registro Civil do Brasil.
O AVC é prevenível, tratável e recuperável — desde que haja políticas públicas eficazes e sistemas de saúde preparados.
“O mundo está, finalmente, priorizando o AVC. Essa união de esforços em torno de uma agenda global é histórica e representa um novo horizonte para milhões de pessoas”, afirma a neurologista, pesquisadora brasileira e presidente da Rede Brasil AVC, Sheila Martins, que finalizou seu mandado como presidente da Organização Mundial do AVC em novembro de 2024, e agora é uma das coordenadoras desta coalizão global.
A priorização do AVC como parte das estratégias nacionais de saúde, a criação de Planos Nacionais de Ação, investimentos em prevenção, tratamento e reabilitação, inclusão de sobreviventes na formulação de políticas públicas e sistemas de monitoramento robustos estão entre os pontos destacados pelas lideranças.
Estatísticas alarmantes reforçam a necessidade de ações: são 12 milhões de novos casos por ano, 7 milhões de mortes anuais e 94 milhões de pessoas vivem com sequelas da doença. Além disso, 53% dos AVCs ocorrem em pessoas com menos de 70 anos, com um aumento exponencial em jovens, e 89% da carga global de AVC está concentrada em países de baixa e média renda.
Brasil: modelo e desafios
Política federal que levou à criação de uma rede de hospitais especializados no atendimento ao AVC e à adoção de uma série de protocolos para reduzir óbitos e sequelas destacam o Brasil no cenário mundial.
Um dos protocolos, que instituiu o uso de trombolítico no AVC no SUS em 2012 (medicamento que desfaz o trombo ou coágulo sanguíneo e desentope a circulação) preconiza, por exemplo, que entre a chegada do paciente ao hospital e o início do tratamento, o tempo de espera não deve ultrapassar 60 minutos.
A partir de 2012, houve também a criação de centros do SUS especializados no atendimento ao AVC, financiados pelo Ministério da Saúde, totalizando atualmente 119.
Já a partir de 2023, outra ferramenta importante foi incorporada ao SUS, a partir de um estudo brasileiro: a trombectomia mecânica, que consiste na desobstrução da artéria cerebral por meio de um cateter que leva um dispositivo para remover o coágulo do vaso sanguíneo no cérebro. Estudos constataram que o procedimento pode aumentar em três vezes as chances de o paciente permanecer independente após o AVC, por diminuição das sequelas. Atualmente, 13 hospitais públicos oferecem o procedimento.
“O Brasil deu passos importantes, mas ainda há desafios significativos. As desigualdades regionais estão entre os principais deles. Cerca de 77% dos centros de AVC públicos e privados estão no Sul e no Sudeste. No Norte são muito poucos, com alguns estados sem nenhum”, pontua.
De acordo com estudo que avaliou hospitais em quatro regiões brasileiras, a taxa de mortalidade em instituições onde não há centros de AVC chega a 49%, contra 17% onde existe. “Isso é inaceitável em um país que tem um programa nacional, que dá direito às pessoas receberem tratamento. Centros de AVC diminuem a mortalidade”, salienta. “Precisamos garantir que os hospitais tenham estrutura, equipe capacitada e, principalmente, que o atendimento aconteça no tempo certo. A expansão da rede e o treinamento de profissionais são essenciais e permanentes”, completa a especialista.
Além do tratamento, a prevenção e a reabilitação pós-AVC também precisam de atenção. “Controlar a pressão arterial, promover hábitos saudáveis e garantir que o paciente tenha acesso à reabilitação são partes de uma mesma estratégia. O cuidado com o AVC não começa no hospital e nem termina na alta. Ele precisa ser contínuo, integrado e acessível em todas as fases, desde a prevenção até a reintegração do paciente à vida cotidiana”, reforça a neurologista.
Sheila lembra, ainda, que o ministro da Saúde, Alexandre Padilha teve um papel importante nas ações de enfrentamento do AVC, quando esteve à frente do Ministério pela primeira vez. “O ministro Padilha já demonstrou sensibilidade à causa. Ele foi o responsável pela criação dos Centros de AVC e implementação do tratamento do AVC no SUS. Agora, com sua volta à pasta, temos a chance de retomar e ampliar essa agenda”, diz.
A expectativa, segundo a médica, é que o Brasil siga se consolidando como liderança no combate ao AVC, com um olhar atento aos próprios gargalos, enquanto o mundo se organiza para transformar uma das maiores causas de morte e incapacidade em um problema de saúde pública controlável. “O mundo está se unindo para enfrentar o AVC de forma estratégica e coordenada — e o Brasil tem muito a contribuir nesse processo. Ao reconhecer seus próprios desafios e compartilhar soluções, o país se coloca como parte ativa dessa transformação global”, conclui.
Crédito da foto: Divulgação/Freepik
Legenda: Líderes e especialistas do mundo todo se unem em um movimento inédito para combater o AVC.
Sobre a Rede Brasil AVC
Organização não governamental criada em 2008 com a finalidade de melhorar a assistência, educação e pesquisa sobre o AVC em todo o país. É formada por profissionais de diversas áreas que, unidos, lutam para diminuir o número de casos da doença, melhorar o atendimento pré-hospitalar e hospitalar ao paciente, melhorar a prevenção ao AVC e propiciar a reabilitação precoce e reintegração social. Mais informações pelo site: www.redebrasilavc.org.br.